Embora o estudo científico da liderança esteja bem estabelecido, suas principais descobertas não são familiares para a maioria das pessoas, incluindo uma proporção alarmante de pessoas encarregadas de avaliar e selecionar líderes.
Esta lacuna de ciência-profissional explica nosso decepcionante estado das coisas. Os líderes devem impulsionar o engajamento dos funcionários, mas apenas 30% dos funcionários estão engajados, custando à economia dos Estados Unidos US$ 550 bilhões por ano à perda de produtividade. Além disso, uma grande pesquisa global sobre as atitudes dos funcionários em relação à administração sugere que 82% das pessoas não confiam em seu chefe. Você só precisa procurar no google “meu chefe é…” ou “meu gerente é…” e ver qual é o texto de autopreenchimento para ter uma ideia do que a maioria das pessoas pensa de seus líderes.
Sem surpresa, mais de 50% dos funcionários deixaram o emprego por causa de seus gerentes. Como diz o velho ditado, “as pessoas se juntam às empresas, mas deixam seus patrões”. E o índice de descarrilamento, incidentes antiéticos e comportamentos de trabalho contraproducentes entre os líderes é tão alto que é difícil ficar chocado com o lado sombrio de um líder. Pesquisas indicam que 30% a 60% dos líderes agem de forma destrutiva, com um custo estimado de US$ 1 a US$ 2,7 milhões para cada gerente sênior fracassado.
Parte do problema é que muitas crenças amplamente difundidas sobre liderança são incongruentes com as evidências científicas. Como Mark Twain supostamente observou, “Não é o que você não sabe que coloca você em problemas. É o que você sabe com certeza que não é assim.” Por exemplo, é muito comum as pessoas acreditarem que a liderança depende muito da situação, que é difícil prever se alguém será um bom (ou ruim) líder, e que qualquer pessoa pode ser um líder. Na realidade, algumas pessoas têm uma probabilidade muito maior de se tornarem líderes, independentemente do contexto, e essa probabilidade pode ser precisamente quantificada com ferramentas psicológicas robustas.
O que realmente sabemos sobre a medição do potencial de liderança? Aqui estão algumas descobertas críticas:
Quem se torna um líder? Embora os líderes tenham muitas formas, algumas características de personalidade predizem consistentemente se alguém provavelmente surgirá como líder. Como mostra a meta-análise mais citada nesta área, as pessoas mais ajustadas, sociáveis, ambiciosas e curiosas têm maior probabilidade de se tornarem líderes. (53% da variabilidade na emergência da liderança é explicada por esses fatores de personalidade.) Não surpreendentemente, níveis mais altos de habilidade cognitiva (QI) também aumentam a probabilidade de um indivíduo emergir como líder, embora em menos de 5%. É claro que a emergência não implica eficácia, mas é preciso emergir para ser eficaz.
Quais são as principais qualidades de líderes eficazes? A medida final da eficácia do líder é o desempenho da equipe ou organização do líder, especialmente em relação aos concorrentes. A liderança é um recurso para o grupo e os líderes eficazes permitem que um grupo supere outros grupos. Embora os mesmos traços de personalidade e habilidade descritos acima ajudem os líderes a se tornarem mais eficazes – eles não são apenas vantajosos para o surgimento – os melhores líderes também demonstram níveis mais altos de integridade, o que lhes permite criar uma cultura honesta e justa em suas equipes e organizações. Além disso, os líderes eficazes são geralmente mais inteligentes emocionalmente, o que lhes permite manter a calma sob pressão e ter melhores habilidades pessoais. Por outro lado, os líderes narcisistas são mais propensos a se comportar de maneira antiética, o que provavelmente prejudicará suas equipes.
Como a pessoa vai liderar? Nem todo mundo lidera da mesma maneira. O estilo de liderança é amplamente dependente da personalidade. Líderes ambiciosos e de pele grossa tendem a ser mais empreendedores, por isso estão focados no crescimento e na inovação. Líderes curiosos, sociáveis e sensíveis tendem a ser mais carismáticos, embora o carisma muitas vezes reflita traços do lado sombrio, como o narcisismo e a psicopatia. Os estudos também destacam as diferenças de gênero nos estilos de liderança, com os homens sendo mais transacionais e as mulheres mais transformacionais. No entanto, os papéis de gênero são melhor entendidos como uma variável psicológica e normalmente distribuída, pois as pessoas diferem em masculinidade e feminilidade, independentemente de seu sexo biológico.
Os líderes já nascem líderes ou são feitos? Qualquer padrão observável de comportamentos humanos é o subproduto de influências genéticas e ambientais, portanto a resposta a essa pergunta é “ambos”. As estimativas sugerem que a liderança é 30% -60% hereditária, principalmente porque os traços de caráter que moldam a liderança – personalidade e inteligência – são hereditários. Embora isso sugira fortes influências biológicas na liderança, isso não implica que a criação seja trivial. Traços ainda mais hereditários, como peso (80%) e altura (90%), são afetados por fatores ambientais. Embora não haja uma receita clara para manipular o ambiente, a fim de aumentar o potencial de liderança, as intervenções de coaching bem elaboradas aumentam as competências críticas de liderança em cerca de 20% a 30%.
Qual é o papel da cultura? A cultura é fundamental porque impulsiona o engajamento e o desempenho dos funcionários. No entanto, a cultura não é tanto a causa da liderança quanto o resultado dela. Assim, os líderes criam as regras explícitas e implícitas de interação para os membros da organização, e essas regras afetam os níveis de moral e produtividade. Quando os valores das pessoas estão intimamente alinhados com os valores da organização (e liderança), elas experimentarão níveis mais altos de adequação e propósito.
Quão cedo podemos prever o potencial? Qualquer previsão é uma medida de potencial ou a probabilidade de algo acontecer. Como a liderança é parcialmente dependente de experiências genéticas e da infância precoce, prevê-lo desde cedo é certamente possível. Se fazer isso é ético ou legal, é uma questão diferente. No entanto, a maioria dos indicadores comumente usados para medir o potencial de liderança – desempenho educacional, inteligência emocional, ambição e QI – pode ser prevista desde uma idade muito precoce, então seria ingênuo tratá-los como mais maleáveis. Talvez no futuro, o potencial de liderança será avaliado em uma idade muito precoce, inspecionando a saliva das pessoas.
O gênero importa? Menos do que pensamos. O fato de tantos líderes serem homens tem muito mais a ver com fatores sociais (expectativas das pessoas, normas culturais e oportunidades) do que as diferenças reais de gênero no potencial de liderança, que são praticamente inexistentes. De fato, alguns estudos mostraram que as mulheres são um pouco mais eficazes como líderes no trabalho, mas isso pode ser porque os padrões para nomear mulheres para cargos de liderança são mais altos do que para nomear homens, o que cria um excesso de homens incompetentes em cargos de liderança. A solução não é fazer as mulheres agirem mais como homens, mas selecionar líderes com base em sua competência real.
Por que os líderes descarrilam? Não podemos ignorar a ampla gama de resultados indesejáveis e tóxicos associados à liderança. Não é a ausência de qualidades laterais brilhantes, mas sim sua coexistência com tendências do lado negro, o que faz os líderes descarrilarem. De fato, como demonstram Sepp Blatter, Dominique Strauss-Kahn e Bernie Madoff, o brilhantismo técnico freqüentemente coexiste com traços autodestrutivos e outros traços destrutivos. Esta é apenas uma das razões pelas quais é tão importante para o desenvolvimento de liderança e intervenções de coaching executivo destacar as fraquezas dos líderes, e ajudá-los a manter suas tendências tóxicas sob controle.
Embora essas descobertas tenham sido replicadas em vários estudos, um cético poderia perguntar: “Agora que estamos (supostamente) vivendo em uma era de mudanças tecnológicas sem precedentes, algumas dessas descobertas podem estar desatualizadas?”
Na verdade não.
A liderança evoluiu ao longo de milhões de anos, permitindo-nos funcionar como animais de vida em grupo. Portanto, é improvável que os fundamentos básicos da liderança mudem. Dito isso, as habilidades e qualidades específicas que permitem que os líderes e seus grupos se adaptem ao mundo são certamente um pouco dependentes do contexto. Por exemplo, assim como a força física importava mais, e a capacidade intelectual menos, no passado, é concebível que os diferenciadores humanos, como curiosidade, empatia e criatividade, se tornem mais importantes em um mundo de crescente dependência tecnológica e inteligência artificial onipresente.
Em suma, a ciência da liderança está bem estabelecida. Não há necessidade real de avançá-la para melhorar as práticas do mundo real. Devemos nos concentrar em aplicar o que já sabemos e ignorar o que achamos que sabemos que não é verdade.
Artigo Traduzido da Harvard Business Review. Fonte Original: https://hbr.org/2016/09/what-science-tells-us-about-leadership-potential